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Por que os pacientes assumiram o comando da consulta médica

Por que os pacientes assumiram o comando da consulta médica

A médica inglesa Kathleen Thompson viveu uma situação dramática quando foi diagnosticada com câncer de mama – e não foi o diagnóstico. Kathleen teria de passar por uma aplicação de radiação no tumor para reduzi-lo de tamanho e, depois, partir para a cirurgia. De posse de seus exames e com o diploma de medicina na bagagem, ela percebeu que o médico que a atendeu marcou o local errado para aplicar a radiação. E é aqui que a situação piora: ele não deu ouvidos a Kathleen quando ela o alertou. A aflição da médica-paciente só terminou às vésperas do procedimento, quando Kathleen resolveu insistir no assunto. “O que eu passei me fez pensar em como deve ser difícil para uma pessoa que não possui conhecimentos médicos ter de encarar um tratamento para qualquer doença sem sequer entender direito o que está acontecendo”, diz Kathleen. Ela resolveu escrever um livro, Dos dois lados do estetoscópio (From both ends of the stethoscope no título original, sem edição no Brasil), para orientar outras mulheres a assumir os rumos do próprio tratamento. “Às vezes, é preciso questionar condutas que não estão corretas”, afirma Kathleen.

Pacientes como Kathleen, que perguntam, buscam informações fora do consultório e escolhem junto com o médico os melhores caminhos a seguir, são cada vez mais comuns nas clínicas médicas. E eles nem precisam ter uma formação em saúde ou biologia para assumir o papel de copiloto no tratamento. São pessoas que descobriram que aquilo que a medicina começou a chamar recentemente, com pompas, de processo de decisão compartilhada não se trata de desafiar o médico com informações retiradas do Dr. Google (quem nunca?!), mas sim de estreitar relações com o profissional. E perguntar. E perguntar mais um pouco. É dessa maneira que o médico pode levar em conta os valores do paciente para ajudá-lo a escolher a melhor maneira de acompanhar e tratar uma condição de saúde. Sem margem para imposições e para dúvidas. “A confiança cega no médico é um paternalismo arcaico que não cabe mais nos dias de hoje”, afirma a bioeticista espanhola María del Carmen Garcia, que estuda o assunto.

Decidir junto com o médico sobre como tratar uma doença é uma mudança radical na estrutura da relação entre profissional e paciente. Por décadas, cabia ao médico diagnosticar e indicar as condutas mais adequadas para cada caso. Ao paciente, cumpri-las. No meio do caminho, restavam pacientes confusos ou insatisfeitos com as decisões tomadas. A decisão compartilhada é mais do que apenas conversar e tirar dúvidas com o médico: é um processo para o paciente deixar claro para o profissional que o atende – e, às vezes, até para si – o que é mais importante para ele. Nesse processo, as decisões técnicas do médico levam também em consideração os valores do paciente, que podem ser diferentes dos seus. “É uma escolha que tem como princípio a aceitação de valores entre médico e paciente”, afirma o médico Reinaldo Ayer de Oliveira, da Universidade de São Paulo e coordenador do Centro de Bioética do Cremesp.

Decisões sobre tratamentos invasivos são um clássico. Para um paciente que descobre um tumor cerebral com características benignas, pode ser melhor acompanhar a evolução do tumor por anos, antes de partir para uma cirurgia que ele considera assustadora. Para o médico, pode ser melhor operar imediatamente para que o paciente não tenha de se preocupar por anos com o tumor. Ou o contrário: o médico pode achar prudente esperar, mas para o paciente a ideia de conviver com um tumor pode ser um tormento psicológico insuportável. Ciente dessas diferenças de valores, o médico serve como guia do paciente no processo de decisão – tem o conhecimento técnico para isso (ele dirá se é seguro manter o tumor, quais são os riscos de uma cirurgia) –, mas não imporá uma decisão com base em seus valores.

Como essa mudança na relação médico-paciente interfere nos desdobramentos dos tratamentos e na saúde geral dos pacientes é algo que a ciência está começando a medir. Algumas pesquisas sugerem que ainda faltam instrumentos concretos para medir o que é, de fato, um processo de decisão compartilhada. Já existem escalas que servem como parâmetros, mas elas nem sempre são usadas, o que torna a avaliação subjetiva. Mas as primeiras conclusões sugerem resultados promissores. Um levantamento feito por duas pesquisadoras americanas, que avaliaram 39 estudos sobre decisões médicas compartilhadas, encontrou em 54% das pesquisas melhorias em aspectos afetivo-cognitivos, como redução de preocupações com a doença, de ansiedade após a consulta e de conflitos e dúvidas para tomar decisões. Outros 37% apresentaram mudanças no comportamento dos pacientes, como aderência ao regime de medicamentos. Alguns estudos analisaram indicadores de saúde, como avaliação de bem-estar e pressão arterial. Em 25%, as conclusões parecem ser positivas. Mas, como foram poucos os estudos e as medidas muitas vezes foram relatadas pelos pacientes, os pesquisadores consideraram que ainda faltam dados para confirmar esse tipo de resultado.

A decisão médica compartilhada segue o caminho inevitável aberto pelo avanço da ciência – cada vez mais se entendem as vantagens e os riscos de diferentes técnicas e de medicamentos – e pela facilidade de acesso às informações, proporcionada pela internet. É natural que os pacientes recorram a outras fontes de informação na ânsia de entender melhor sua condição, o que se traduz (ou deveria) em mais conversas com o médico. Para os profissionais de saúde, a nova realidade não é nenhuma surpresa. A maioria não entende mais essa postura como uma afronta ou como um sinal de desconfiança. Mas isso também não significa que esteja, de fato, levando em consideração os anseios e valores dos pacientes. Se esse for o caso, a recomendação do médico americano Glyn Elwyn, que lidera uma equipe especializada em implantar processos de decisão compartilhada, é radical: procure outro médico. “Mais do que a habilidade, o que importa no médico são suas atitudes: ele precisa ser humilde, estar disposto a explicar, ouvir e a respeitar a visão do paciente”, afirma Elwyn.

Fonte: Revista Época

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